terça-feira, 24 de março de 2009

Do Flâneur a atitude blasé


Propor um exercício do olhar na cidade, para quem não está acostumado com um mundo feito de imagens, em sua maioria banais, nos aglomerados de pessoas por todos lados, não será tarefa fácil. Difícil também, será a visão para as lojas e vitrines de algumas ruas do centro da metrópole. Aliás, será difícil encontrar na cidade um lugar de contemplação.
A veemência do Flâneur de Charles Baudelaire(1) que olha as transformações tecnológicas com o olhar caleidoscópio como descreveu Leyla Perrone-Moisés(2), já se perdeu há tempos dentro da metrópole, seu ritmo se tornou anacrônico na cidade de São Paulo, onde o pedestre perdeu sua vez para o automóvel, quando seus passos são cerceados pelos semáforos que ditam o tempo: para onde e quando devemos ir.
As constantes transformações que a cidade veio sofrendo, os residentes da cidade observam menos que os visitantes. Isso se deve à turbulência de mensagens que o consumo(3) impõe. É o tal do olhar e não ver, não perceber. A mente está em outro lugar. Ensimesmados, os usuários da cidade estão emergidos no “vazio de sentidos e de significação”(4).
Mudanças tecnológicas vão dissolvendo o saber e cabe a nós reconstruir. As relações sociais são alteradas, o indivíduo, o uno é liquidado, torna-se multidão e o o homem não se reconhece como produtor de suas próprias condições de vida.
Se todos os sentidos do Flânuer focam-se no visual da grande cidade, ao passar dos tempos este personagem de Baudelaire, depois de possuir tudo e de todos os ângulos, perde seu lugar para um tipo de atitude chamada blasé, dando uma nova característica ao sujeito da metrópole, como aborda que G. Simmel(5).
Essa nova característica do sujeito abordado por G. Simmel contrasta imediatamente com o habitante de uma pequena cidade. Ao contrário da vida numa cidadezinha, onde a vivência é mais tranqüila e há possibilidade de viver mais profundamente os sentidos emocionais, em uma metrópole, com a constante inserção dos inventos tecnológicos unindo-se aos mecanismos dos meios de comunicação de massa, vão interferir transformando os sentimentos do habitante da cidade, banalizando suas emoções, fazendo-o agir de formas mais racionais, deixando na superfície os sentimentos.
A atitude blasé é o resultado de uma excessiva estimulação nervosa devido as mudanças rápidas e constantes de compreensão no ambiente citadino. Juntamente com a intensificação da intelectualidade metropolitana e ao prazer que agita os estímulos de comportamento, em certo momento, param de reagir completamente. Ou seja, esta falta de reação é propriamente oposta ao personagem de B., a atitude blasé não permite mais o sujeito surpreender-se com o novo. Portanto, falta o equilíbrio nas reações com comportamento apropriado.
Mas este estado blasé tem o acréscimo de uma fonte que flui da economia do dinheiro e pela violência. Consiste no enfraquecimento do senso crítico, tornando fraca a compreensão do entorno, deixando-o sem substância.
Entretanto é preciso quebrar este estado lamentável e tentar utilizar linguagens que possibilitem a comunicação entre o homem e o seu meio. Assimilar esses constantes eventos que mudam as coisas e que transformam o ambiente citadino e os sentimentos do ser humano, tentar transformar em ações harmônicas, despertar identificação pelo espaço por ele habitado ou utilizado.

Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate nem apanha
Por favor!
Uma emoção pequena, qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...

Socorro!
Alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento
Acostamento, encruzilhada
Socorro! Eu já não sinto nada...

Socorro!
Não estou sentindo nada [nada]
Nem medo, nem calor, nem fogo
Nem vontade de chorar
Nem de rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Eu Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...


Arnaldo Antunes


(1) Bauddelaire, Charles. Revê parisien. In:_____. Les fleurs du mal. Paris: Calman Levy, 1952
(2) Novaes, Adauto. O olhar._ Pensar é estar doente dos olhos: Leyla Perrone-Moisés, p. 327.
(3) O texto refere-se aqui ao consumo no sentido esclarecido por Karl Marx: “O consumo reproduz a necessidade” o objeto precisa existir para que haja consumo, para que o objeto exista deve haver a produção. “Sem produção não há consumo, mas sem consumo não há produção” ou ainda “...a produção gera no consumidor as necessidades dos produtos, que, de início, foram postos por ela como objeto. Produz, pois, o objeto de consumo, o impulso do consumo. De igual modo, o consumo engendra a disposição do produtor, solicitando-lhe a finalidade da produção sob forma de uma necessidade determinante
(4) Carlos, ana Fani Alessandri. Notas sobre a paisagem urbana paulista pg. 28. Revista da Biblioteca Mário de Andrade. São Paulo, v.54, jan./dez.1996
(5) Simmel, Georg. O fenômeno Urbano, organizado pr Guilherme Velho, Zahar Editores, 1967

3 comentários:

  1. Muito bom.. adorei iniciativa... boa sorte para + nova blogueira

    bijos

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  2. Silvia,

    Adentrei teu blog e gostei de tua proposta.
    Bem legal! Parabéns!

    Vejo que vossa senhoria está bem afinada com Baudelaire, Marx, Simmel entre outros.

    Deveria ler (se já não leu) um livro que já se tornou clássico nesta discussão: Marshall Berman, "Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade".

    É sério, crítico, apaixonante...

    E não se preocupe com o "blasé" nosso de cada dia, pois a alma do negócio é "carnavalizar", "subverter", "inverter" normas e estilos, e isso o brasileiro (especialmente o poeta) tem de sobra...

    Beijos e ótima iniciativa!

    Rodrigo (de Fernandópolis p/ o mundo).

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  3. Já está entre os meus favoritos!

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